Obra de Lília é inspirada em Contos Gauchescos de Simões Lopes Neto

Duelo de Farrapos ou Veja Vancê, títulos da gravura em metal de Lília Manfroi, baseada no conto “Duelo de Farrapos”, da obra Contos Gauchescos de Simões Lopes Neto, 1912, lembrado pelo escritor Luiz-Olyntho e pela poeta Virgínia Vianna Rocha para celebrar o centenário do livro. 

Para a celebração, solicitaram à artista agregar gravuristas gráficos para uma exposição no Instituto NT de Cinema e Cultura Porto Alegre, que acompanhou outras atividades culturais sobre o autor.

Em suas leituras de Contos Gauchescos, Lília Manfroi visualizou outras passagens diferentes das que já fazem parte do imaginário brasileiro.

Agora veja vancê se não foi mesmo o fungu daquela dona (…) que veio transtornar tanta amizade dos Farrapos? … Ela só não pode mudar o preceito de honra deles: brigavam de morte, mas como guascas da lei: leais sempre. ” Excerto do Conto Duelo de Farrapos de Simões Lopes Neto.

Excerto do Conto Duelo de Farrapos de Simões Lopes Neto.
Agora Veja Vancê (da série Contos de Simões Lopes Neto)
Gravura em metal – 14,5 cm x 9,5 cm – Edição: 10 – Papel Hahnemühle 300g

Assim foi se criando a série de 7 gravuras, que deram corpo ao livro de Artista, exemplar único “Lembrando Simões Lopes Neto”.

Quer mais arte? Que tal dar um tour na galeria de arte da Lília para ver as suas obras em gravura em metal?  Estaremos lhe esperando por lá, também. Boa arte, boa vida!

Sobre Simões Lopes Neto

MAIS QUE JOÃO, JOÕES: A TRAJETÓRIA DE JOÃO SIMÕES LOPES NETO (1865-1916) EM SEU CONTEXTO

O presente estudo apresenta como eixo central o percurso do escritor João Simões Lopes Neto (1865-1916). Tendo por base um levantamento geral de sua trajetória, o exame adota por procedimento estabelecer ligações entre fatos de sua vida e aspectos de sua obra e o contexto histórico, social e cultural brasileiro, numa tentativa de estabelecer uma visada de conjunto sobre as várias facetas de sua atividade como escritor.

A pluralidade de seu caráter leva a crer que, acompanhando a sua trajetória de vida e sua leitura de mundo, seja possível entender melhor algumas dimensões de sua obra. O contista talentoso e o profícuo dramaturgo foi também um inventivo empreendedor e um jornalista empenhado. Em virtude de sua vocação pública, não poupou esforços no sentido de viabilizar a modernização de sua cidade, Pelotas.

Do mesmo modo, sua produção em periódicos locais foi permeada por opiniões firmes e por ações de ponta, o que fez com que ocupasse uma posição arrojada para a época em que viveu. Embora tratasse preponderantemente de assuntos locais, Simões Lopes Neto discutia temas universais com desenvoltura.

A condição de grande distância em relação ao centro do país pode ser considerada como um entrave para que seu trabalho fosse reconhecido em toda sua grandeza. Mesmo isso, entretanto, não impediu que absorvesse ideais modernos e arejados, difundidos dentro e fora do país. Dono de grande capacidade assimiladora, acompanhou as transformações do país e do estado, apropriando-se de muitas delas e dando-lhes função local. O acompanhamento de sua trajetória no correr deste trabalho vem entremeado por análises comparativas que envolvem sua produção literária e por análises sobre a ambientação histórica.

Palavras-chave: Simões Lopes Neto, intelectual, Terra gaúcha, Cuore.

Simões Lopes Neto para o mundo: livro de contos traduzido para dez idiomas

Ouça a entrevista com Luís Augusto Fischer, um dos organizadores do livro Simões Lopes Neto para o mundo, que conversa sobre o processo da produção que reuniu contos de Simões Lopes traduzidos para 10 idiomas.

Afinal, que papel social ocupou Simões Lopes Neto?

O trabalho (…) pretendeu realizar um levantamento geral sobre a trajetória de Simões Lopes Neto, com o intuito de estabelecer nexos entre fatos de sua vida e aspectos de sua obra e o contexto histórico, social e cultural brasileiro. A ideia foi a de montar um panorama histórico do período em que ele viveu e produziu, para tentar entender e dimensionar sua visão sobre cada situação ou acontecimento. Por certo, os eventos biográficos não obedecem necessariamente a uma linha progressiva, de causa e efeito, e nem se interligam de forma concatenada. A construção de um relato biográfico parte de escolhas do pesquisador, e a opção por articular a história de vida de Simões Lopes Neto e processo histórico, aqui, respondeu à necessidade de atribuir um sentido coerente à trajetória tortuosa do escritor. Fazer este trabalho foi um gosto. Difícil foi estabelecer os limites da pesquisa, fato que me levou a explorar sem a verticalidade ideal alguns aspectos de sua vida e de seu trabalho que são de grande riqueza. Dito isso, a pergunta a se fazer é: afinal, que papel social ocupou Simões Lopes Neto?

A exemplo de outros jovens intelectualizados e de ideais modernos, ele estava imbuído de espírito inovador e empreendedor, principalmente a partir da instalação da República e da adoção de medidas governamentais em favor do desenvolvimento industrial e comercial do país. Não hesitou em recorrer ao presidente do estado em virtude de empreendimentos voltados ao seu município. Ainda assim, é notável que ele, embora alinhado com o PRR, não tenha sido um sujeito autoritário, de vertente positivista, como foram muitos de sua geração e posição social. Pelo contrário, era voltado ao diálogo e, na medida do possível, tentou manter-se distante da polaridade política vigente no Rio Grande do Sul.

Imagens antigas da cidade de Pelotas à época de Simões Lopes Neto

Em muitas de suas ações é possível vislumbrar o homem atento e preocupado com o desenvolvimento da sociedade, sem se descuidar dos princípios de integridade humana que sempre o nortearam. Desta maneira, se dedicou a projetos em benefício de sua cidade e integrou instituições comerciais e agrícolas com o mesmo empenho dispendido aos seus interesses comerciais pessoais, mantendo sempre no horizonte o propósito de alavancar seu desenvolvimento. Sua vocação comunitária se expressou também através da atividade jornalística: em meio às publicações de interesse cultural, circulavam artigos ligados às questões de ordem pública, envolvendo saneamento, valor de impostos, iluminação etc.

Leia também a Folha do Instituto Simões Lopes Neto

Em se tratando de atividades ligadas à cultura, é um regozijo para qualquer pesquisador da obra simoniana constatar que o homem que falava da canalização do Arroio Santa Bárbara, da necessidade de uma rede de esgotos efetiva em sua cidade, era o mesmo que escrevia sobre Darwin, que traduzia do francês, que escrevia em italiano e que se correspondia com intelectuais de ponta da época. A atividade jornalística foi um canal através do qual expandiu sua criatividade, tendo neste meio dado os primeiros passos na direção de sua realização literária.

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Contos de 1914 saíram em livro em 1952 – Fonte: https://pelotascultural.blogspot.com/

Acompanhando o movimento efetuado por muitos intelectuais seus contemporâneos, no Brasil e na Europa, Simões dedicou-se a recolha de matéria da tradição oral, com o sentido de salvar do esquecimento o patrimônio que considerava precioso. O valor atribuído à tradição por Simões não se reduzia somente à preservação em si desta memória, mas também ao seu próprio perfil de acolhimento em relação à produção artística de gente simples e iletrada. É deste extrato que Simões – o letrado sofisticado – forja seu excepcional narrador Blau Nunes, que na condição de interno ao universo da tradição, celebra com autoridade o mundo que está em vias de desaparecer.

O plano pedagógico mereceu atenção especial: nele o autor tentou conjugar memória e tradição com um projeto que visava à construção do futuro através da educação. Tradição e didática: não é pouca coisa, principalmente se levarmos em consideração o alcance pretendido – o nacional –, e de onde alavancaria tal empresa, ou seja, da longínqua Pelotas, tão afastada do centro do país. Talvez tenha sido este o projeto mais grandioso idealizado por Simões Lopes Neto, já que envolvia seu veio literário, preservação da tradição e preocupação social, tudo isso calcado em uma visão de mundo moderna. Visão, aliás, bem mais avançada que a da maioria de seus pares.

Instituto João Simões Lopes Neto

Sua filiação ao pensamento de intelectuais que viam a miscigenação como fator positivo é um dado que enfatiza tal perspectiva. Em um período em que ideais de branqueamento e de inferioridade racial eram a base da mentalidade nacional, a aproximação com o pensamento de Manuel Bonfim confirma sua posição de intelectual avançado em relação à maioria. Assim como o sergipano, Simões não concordava com a forma como as correntes de pensamento europeias eram adaptadas para a realidade brasileira, ou seja, com o intuito de referendar a ideia de que a propalada inferioridade racial, aliada ao clima desfavorável, eram responsáveis pelo atraso econômico e social. A postura do pelotense, tal qual a de Bonfim, foi sempre pautada por preceitos de igualdade entre os indivíduos, independente de sua origem étnica ou geográfica.

Imagem 1 - VINTAGE POSTCARD: BRAZIL - PELOTAS 1902
Cartão postal de Pelotas em 1902. Fonte: https://www.ebay.com/

Segundo  Edward  Said  ― intelectual  é  um  indivíduo  com  um  papel  público específico na sociedade que não pode limitar-se a ser um simples profissional sem rosto, um membro competente de uma classe que unicamente se preocupa com sua atividade e  é,  além  disso,  ―(…) dotado  da  faculdade  de  representar,  encarnar  e  articular  uma mensagem, uma visão, uma atitude, filosofia ou opinião em favor do coletivo. Sendo assim, é possível reconhecer em Simões Lopes Neto um sujeito que cumpriu este papel. O sucesso comercial foi certamente sua meta, mas acima de tudo parece ter estado a vocação pelo compartilhamento do conhecimento e o esforço para contribuir com o desenvolvimento de sua cidade. Dono de horizontes largos e pensamento humanista, buscava com otimismo, em todas suas áreas de atuação, uma maior integração em âmbito nacional, valendo-se até mesmo do que de mais moderno alcançava em nível mundial.

Baixe a dissertação completa da autora Heloisa Sousa Pinto Netto: Mais que João, Joões: a trajetória de João Simões Lopes Neto (1865-1916) em seu  contexto.

Na provinciana Pelotas, de pendores aristocráticos e ideias afrancesadas, viveu João Simões Lopes Neto, um sujeito sonhador, um tanto dispersivo e por vezes desorganizado. Um homem que vislumbrava o progresso de sua gente, um jornalista atuante, um interessante dramaturgo e um grande escritor. O tempo vai paulatinamente fazendo jus ao intelectual que nos longos e úmidos invernos e nos abafados verões pelotenses pensou com entusiasmo sobre o mundo em que viveu.

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A Casa de Artes Visuais – Lília Manfroi – tem a curadoria de conteúdo da Vida digital – Equipe Editorial de Conteúdo e Estado da Arte.

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